Professor está sobrecarregado com tarefas que são dos pais,
diz educador
Ao viajar o Brasil dando palestras para professores, o mestre em educação
Marcos Meier, que já foi ele mesmo professor de matemática no Paraná, se deparou
com uma tendência preocupante a partir dos depoimentos dos docentes. "O
professor, que antigamente tinha tempo para ensinar o currículo, hoje tem que
gastar 20 minutos corrigindo a indisciplina do aluno, fazendo-o sentar, pegar o
caderno... Um monte de coisas da área da educação básica das famílias não está
pronta, e o professor precisa dar conta disso", afirmou. Para ele, o
professor tem sido obrigado a assumir uma tarefa que é relativa aos pais na
educação de crianças e adolescentes.
Segundo
o especialista, o acesso à informação e tecnologia nos últimos anos tem feito
com que as relações se modifiquem e os adolescentes de hoje, vivendo em
famílias cada vez mais ocupadas e passando horas excessivas do dia com o
telefone, o computador e o videogame, não desenvolva os mecanismos de
socialização necessários para o convívio pessoal.
As famílias, para Meier, não devem ser divididas em
"estruturadas" e "desestruturadas" por causa de sua
formação, já que o aumento no número de divórcios tem criado novas relações.
Ele defende o enfoque na funcionalidade da família. "Existem famílias com
papai, mamãe e filhos que sãp desfuncionais, porque os pais não dão atenção às
crianças, e famílias sem o pai, mas em que a mãe faz um trabalho maravilhoso,
ou os avós e tios também ajudam", explicou.
A falta de tempo dos pais, também cada vez mais conectados
às tecnologias, faz com que os poucos momentos com os filhos sejam de
interação, com brincadeiras, jogos e diversão, e provoca a escassez momentos de
intimidade necessários para construir uma relação de qualidade entre eles. O
resultado é que as crianças hoje em dia chegam às escolas cada vez mais
indisciplinadas, aumentando assim a exigência dos professores para manter a
autoridade.
Do que se trata o tema geral?
A nossa sociedade hoje está sofrendo transformações muito grandes em termos de
acesso à informação e tecnologia, que faz com que as relações se modifiquem. Os
adolescentes antigamente se reuniam e ficavam horas dançando ou batendo papo,
fazendo festas de garagem. Então eles eram obrigados a aprender a lidar com o
cara chato, com o sarna, aquele que incomoda. O adolescente tem a
característica de corrigir um ao outro, pegar no pé, isso é muito saudável para
desenvolver mecanismos de socialização, a pedir com licença, por favor,
desculpa.
E qual a diferença hoje?
Com a tecnologia, ele não tem mais a oportunidade do olho no olho, se não
gostou de um cara, ele bloqueia no MSN [mensageiro instantâneo], na sala de
bate-papo. O adolescente não está mais acostumado a aceitar crítica, ele fica
frágil, não suporta as críticas. Isso faz também com que, na escola, o
professor que exija um pouco mais é mal visto. O adolescente reclama, acha
ruim, não está acostumado a receber esse tipo de cobrança do professor que pega
no pé.
Como a família influencia esse comportamento?
A indisciplina tem aumentado bastante justamente por causa
do tempo. As crianças estão cada vez menos sob orientação de um adulto. O pai
dificilmente tem tempo para ficar com os filhos, a mãe trabalhando fora ainda
tem todas as atividades da casa. Então ela tem momentos de interação, mas não
tem momentos de intimidade. Tem aquela hora de fazer bagunça, e eles deixam
regras de lado, ninguém quer pegar no pé do filho porque são tão poucos minutos
para ficarem juntos. Então não tem qualidade essa relação. E esse estilo cada
vez mais descomprometido tem efeitos na escola também.
Que efeitos?
As crianças, que deveriam estar aprendendo a ter educação com os pais, acabam
chegando na escola totalmente indisciplinadas, batendo e xingando em vez de
conversarem. O professor, que antigamente tinha tempo para ensinar o currículo,
hoje tem que gastar 20 minutos corrigindo a indisciplina do aluno, fazendo-o
sentar, pegar o caderno... Um monte de coisas da área da educação básica das
famílias não está pronta, e o professor precisa dar conta disso. De uma aula de
40 ou 50 minutos que poderia estar sendo muito bem aproveitada com conteúdo, 20
minutos com certeza estão sendo jogados no lixo. Isso vai irritando tanto o professor,
que depois não tem paciência na hora de explicar o assunto. Ele está sendo
exigido além da conta, o professor foi preparado para ensinar currículos
escolares, não para dar a educação que a família antigamente ensinava.
A falta de interesse dos alunos na escola também não têm a
ver com o abismo de gerações, já que os professores são muito menos adeptos das
novas tecnologias?
É bom que professores aprendam a usar as novas tecnologias, mas temos um mito
que é o seguinte: a gente acha que o aluno que usa computador e internet está
aprendendo mais, mas quando passa um trabalho ou pesquisa para ele, o aluno não
sabe filtrar informação na internet, o que aparecer no google eles colocam no
trabalho deles. Não viram se era pegadinha, se o site tem autoridade. Eles
acham que fizeram a pesquisa por colocar informações numa página, às vezes nem
leram com atenção.
Esse é um problema generalizado?
Tem o outro lado, temos sim escolas com nível de educação de primeiro mundo,
temos pesquisas na área da educação, da relação professor-aluno, suficientes
para poder dar palestra a professores da Europa sobre como dar aula. O problema
é que esse conhecimento que as boas escolas têm não chega a todas as escolas.
Enquanto algumas escolas do Sul estão discutindo se usam lousa digital de uma
ou outra marca, outras estão emendando quadro negro com cartolina porque ele
está rachado.
Absorver a tecnologia é inevitável para a escola?
Tem escola hoje que proíbe que professores tenham Facebook porque alunos falam
mal do professor e da escola lá. Por outro lado, tem escola incentivando que o
professor tenha Facebook, que coloque os alunos como amigos para trocar
informações e tirar dúvidas. Você pode usar a tecnologia a favor da
aprendizagem ou vê-la como uma ameaça à escola. Mas esse tipo de visão
retrógrada vai ter que desaparecer.
O que falta para isso acontecer?
Hoje temos uma problema que é a falta de softwares de qualidade para a escola.
Tem software que o aluno dá um clique, vira uma página, dá outro clique, vira
outra página. Aquilo nada mais é do que um livro em formato digital, mas o grau
de interatividade é zero. Tem que tomar muito cuidado ao levar o aluno para o
laboratório de informática. Às vezes é perder tempo com o computador, é melhor
pegar um professor apaixonado por aquilo que ensina do que usar um software com
baixo grau de interatividade. Isso em psicologia a gente chama de postura
passivo-aceitante, é como a criança na frente da televisão, só recebe
informação. Tem muito professor que coloca o aluno nessa postura, e também tem
muito software que segue o mesmo caminho. A chave é a interação do aluno com o
conhecimento. Pode ser no computador, sozinho ou com o professor em sala de
aula. Desde que haja espaço para interagir com o conhecimento, é isso que
precisa acontecer para o aluno aprender.
fonte:Ana Carolina Moreno Do g1.globo.com/ em São Paulo
Acesso em: 01 nov 2016