A mãe estava na sala, costurando. O menino abriu a porta da
rua, meio ressabiado, arriscou um passo para dentro e mediu cautelosamente a
distância. Como a mãe não se voltasse para vê-lo, deu uma corridinha em direção
de seu quarto.
– Meu filho? – gritou ela.
– O que é – respondeu, com o ar mais natural que lhe foi
possível.
– Que é que você está carregando aí?
Como podia ter visto alguma coisa, se nem levantara a
cabeça? Sentindo-se perdido,tentou ainda ganhar tempo.
– Eu? Nada…
– Está sim. Você entrou carregando uma coisa.
Pronto: estava descoberto. Não adiantava negar – o jeito era
procurar comovê-la.Veio caminhando desconsolado até a sala, mostrou à mãe o que
estava carregando:
– Olha aí, mamãe: é um filhote…
Seus olhos súplices aguardavam a decisão.
– Um filhote? Onde é que você arranjou isso?
– Achei na rua. Tão bonitinho, não é, mamãe?
Sabia que não adiantava: ela já chamava o filhote de isso.
Insistiu ainda:
– Deve estar com fome, olha só a carinha que ele faz.
– Trate de levar embora esse cachorro agora mesmo!
– Ah, mamãe… – já compondo uma cara de choro.
– Tem dez minutos para botar esse bicho na rua. Já disse que
não quero animais aqui em casa. Tanta coisa para cuidar, Deus me livre de ainda
inventar uma amolação dessas.
O menino tentou enxugar uma lágrima, não havia lágrima.
Voltou para o quarto, emburrado:
A gente também não tem nenhum direito nesta casa – pensava.
Um dia ainda faço um estrago louco. Meu único amigo, enxotado desta maneira!
– Que diabo também, nesta casa tudo é proibido! – gritou, lá
do quarto, e ficou
esperando a reação da mãe.
esperando a reação da mãe.
– Dez minutos – repetiu ela, com firmeza.
– Todo mundo tem cachorro, só eu que não tenho.
– Você não é todo mundo.
– Também, de hoje em diante eu não estudo mais, não vou mais
ao colégio, não
faço mais nada.
faço mais nada.
– Veremos – limitou-se a mãe, de novo distraída com a sua
costura.
– A senhora é ruim mesmo, não tem coração!
– Sua alma, sua palma.
Conhecia bem a mãe, sabia que não haveria apelo: tinha dez
minutos para brincar com seu novo amigo, e depois… ao fim de dez minutos, a voz
da mãe, inexorável:
– Vamos, chega! Leva esse cachorro embora.
– Ah, mamãe, deixa! – choramingou ainda: – Meu melhor amigo,
não tenho mais
ninguém nesta vida.
ninguém nesta vida.
– E eu? Que bobagem é essa, você não tem sua mãe?
– Mãe e cachorro não é a mesma coisa.
– Deixa de conversa: obedece sua mãe.
Ele saiu, e seus olhos prometiam vingança. A mãe chegou a se
preocupar: meninos nessa idade, uma injustiça praticada e eles perdem a cabeça,
um recalque, complexos, essa coisa.
– Pronto, mamãe!
E exibia-lhe uma nota de vinte e uma de dez: havia vendido
seu melhor amigo por trinta dinheiros.
– Eu devia ter pedido cinqüenta, tenho certeza que ele dava
murmurou, pensativo.
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